O aposentado Carlos Gilberto Nova, de Araçatuba (SP), não teve nenhum bilhete premiado que pudesse lhe render metade dos R$ 320 milhões da Mega da Virada de 2020, mas decidiu entrar em uma briga que, na verdade, não é dele, com a Caixa Econômica Federal.
O banco, que administra a loteria, não pagou o prêmio de R$ 162,6 milhões a um apostador de São Paulo, que fez a “fezinha” pelo site da Caixa, mas acabou não requerendo o que lhe é de direito no prazo de 90 dias, tempo estipulado pelo decreto-lei 204/1967 .
O montante, que equivale à metade do prêmio do concurso 2330 (Mega da Virada), realizado em 31 de dezembro de 2020, acabou sendo destinado ao Fies (Fundo de Financiamento Estudantil). Naquele ano, houve dois ganhadores do prêmio principal.
Carlos Nova não faz a mínima ideia de quem seja o apostador que estaria milionário, hoje, se tivesse reclamado o seu prêmio. Mas, não se conformou com o fato de a aposta não ter sido paga pelo banco e ajuizou uma Ação Civil Pública (ACP) contra a Caixa.
Ele argumenta que, em 2020, o Brasil e o mundo estavam em plena pandemia de Covid-19. Por isso, há a possibilidade de o ganhador ter morrido em consequência da infecção pelo novo coronavírus. Neste caso, segundo ele, caberia aos herdeiros receber a bolada de R$ 162,6 milhões.
Outro ponto é que a aposta foi feita pela Internet, por meio do canal digital disponibilizado na página da Caixa Econômica Federal. Neste caso, para fazer a aposta, é preciso preencher um cadastro com informações e documentos pessoais, incluindo o CPF.
“A Caixa tem todas as condições de saber quem é o ganhador e localizá-lo, porque ele colocou os dados dele no formulário do banco antes de fazer a aposta digitalmente”, defende. “Se a aposta tivesse sido feita pelo volante vendido na lotérica, tudo bem, não teria como identificar o ganhador. Mas pelo site, tem”, completou.
Nova realidade tecnológica
Carlos Nova destaca que, o decreto-lei 204/1967, que declarou prescrito o direito de se receber o prêmio por não tê-lo reclamado à Caixa em um prazo de 90 dias, foi editado quando não existia apostas pela internet, nem a possibilidade de se identificar o apostador.
Na ACP, a Caixa é acusada de omissão e abuso na aplicação da regra de prescrição dos prêmios. Para os advogados Cássio Antônio da Silva Tenani e Josiany Anália Pezati Tenani, que representam o aposentado na ação, a norma deve ser interpretada à luz da Constituição de 1988, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e da nova realidade tecnológica.
Dentre os fundamentos apresentados pelos advogados está o dever de informação, previsto no artigo 6º do CDC, o que, segundo a Ação Civil Pública, inclui a notificação do apostador sobre a premiação quando há registro do seu CPF.
O princípio da razoabilidade e proporcionalidade, previsto na Constituição Federal, também foi citado na ação.
“Se o próprio sistema de apostas identifica os jogadores, não faz sentido impedir o resgate de um prêmio por falta de apresentação de um bilhete físico”, afirmam os advogados Cássio Antônio da Silva Tenani e Josiany Anália Pezati Tenani, que representam o aposentado na ação.
Eles também destacaram o momento de crise econômica e social do País e argumentam que o prêmio pertence ao apostador ou a seus herdeiros, devendo a Caixa cumprir o seu papel e não se apropriar indevidamente do dinheiro.
Sentença
Na Ação Civil Pública, o aposentado requer que a Justiça determine o bloqueio do prêmio e que a Caixa seja condenada a identificar os contemplados e pagar a eles a bolada de R$ 162,6 milhões.
Em primeira instância, a ACP foi julgada improcedente pela Justiça Federal de Ribeirão Preto (SP), onde foi ajuizada, no dia 20 de fevereiro. Os advogados do aposentado vão recorrer da sentença ao Tribunal Regional Federal (TRF3).
“A setença errou gravemente ao privilegiar um formalismo acranônico em detrimento da justiça material. A aplicação cega e acrítica da legislação desconsidera os avanços tecnológicos, viola direitos do consumidor e desrespeita a função social das loterias”, afirmou Cássio Tenani.