No direito Constitucional brasileiro não existem direitos ou princípios de natureza absoluta. O direito de propriedade, por exemplo, pode ser relativizado com uma desapropriação pelo Estado, já que o interesse deste, tido como público, está acima do direito individual do proprietário de um imóvel.
O direito à vida, o maior de todos os direitos, pode ser relativizado e afastado numa situação de legítima defesa (art. 25, do Código Penal), ou no caso de guerra declarada, matéria de competência da União (art. 21, II, da Constituição da República).
Quando há conflito entre direitos e princípios de natureza Constitucional, o caso concreto é que permitirá declarar qual deles prevalecerá; logo, não existe uma fórmula ou regra preestabelecida.
A liberdade de expressão é um direito fundamental garantido pela Constituição Federal brasileira, especificamente no artigo 5º, inciso IV, que estabelece que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Este direito abarca a liberdade de se receber ou difundir informações e ideias de qualquer natureza, sem censura prévia.
Além disso, o artigo 220 da Carta Magna reitera que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, não sofrerão qualquer restrição, com observância do disposto na própria Constituição.
Mas, a liberdade de expressão, embora seja um direito fundamental, ela não é absoluta, podendo sofrer limitação ou restrição em caso de abuso, se utilizada para incitar à violência, para pregar ódio e preconceito, ou para ofender a honra alheia (calúnia, injúria e difamação).
Na mesma linha de raciocínio encontra-se a liberdade de imprensa, tratando-se de um direito fundamental, mas não ilimitado. Tais liberdades e direitos são imprescindíveis ao estado democrático, para a formação de uma sociedade mais justa, pacífica e igualitária.
Com efeito, todo direito deve ser exercido com responsabilidade e nos limites da lei, senão, deixará de sê-lo e constituirá abuso a ser punido nos termos dela.
A literatura e o exercício da atividade artística são permitidos pela lei, obviamente. O romance, a poesia, a crônica, o artigo de opinião, o folclore, o teatro etc. são manifestações intelectuais de pensamento de seus autores.
Todavia, eventual excesso em gêneros literários ou na manifestação artística, que resulte em abuso do direito do livre pensamento ou expressão, poderá ser penalizado, inclusive, na seara penal, à luz do Código Penal brasileiro e de outras leis esparsas.
Um artigo de opinião que incite à prática de um crime, extrapola o limite da liberdade de pensamento ou de expressão. Uma crônica que transmita uma mensagem misógina, perde a sua ínsita natureza de gênero textual literário, para se tornar um veículo de ódio contra mulheres.
Nesses exemplos do artigo de opinião e da crônica, o problema não está, assim, na forma – enquanto instrumento – do gênero literário, per si, mas nos seus conteúdos e na intenção do seu autor.
Nesse contexto, não se trata de proibir ou restringir o exercício da atividade literária, mas sim, e somente, o conteúdo (mensagem) do gênero literário utilizado, enquanto transmissor da ideia ou do pensamento abusivo. Havendo excesso no manejo do gênero literário, cediço, o seu agente – o autor, no caso – poderá ser punido, nos termos da lei.
Deve ficar claro, ainda, em especial em crimes contra a honra (calúnia, injúria e difamação), que o autor literário somente será responsabilizado se agir com dolo, ou seja, com a vontade deliberada de caluniar, injuriar ou difamar; caso contrário, o fato será considerado atípico ou não punível na esfera penal, ou até mesmo, em princípio, na seara civil (ainda que sejam esferas independentes).
Do mesmo modo e sob esse mesmo raciocínio, a incitação de preconceito através do uso de gêneros literários (ou outra forma de arte) contra negros, indígenas, homossexuais, judeus, nordestinos etc., poderá ser punida, na forma da lei.
De qualquer maneira, caberá sempre ao Poder Judiciário, no caso concreto, se acionado, decidir se houve excesso do autor na obra literária ou artística respectiva. Essa análise pelo Judiciário, por si, não constitui censura ou decretação de anonimato, pois cabe a esse Poder a apreciação de qualquer lesão ou ameaça a direito (art. 5º, inciso XXXV, da CF).
Fora dessas hipóteses legais, mesmo na análise de um caso concreto, não pode o julgador se imiscuir nas ideias idealizadas e exteriorizadas numa criação literária ou artística, as quais, comumente, por sua natureza, trazem à baila mensagens e críticas em geral para a conscientização de pessoas e formação de uma sociedade melhor, com menos ignorância.
Do contrário, dar-se-ia a institucionalização judicial de mordaça artístico-literária no Brasil. John Stuart Mill, no livro Sobre a Liberdade, ensina que o limite da liberdade de expressão é não prejudicar terceiros (princípio do dano).
Permanece, pois, inabalável, em específico, o direito à literatura, idealizado por Antonio Candido, em seu ensaio publicado em 1988, “O Direito à Literatura”, em que o culto autor aponta a literatura como direito fundamental, essencial para a formação do ser humano e para a exata compreensão da realidade.