Existe Estado ideal? E uma sociedade ideal? O Estado é um mito? O homem consegue viver sem a presença do Estado? O Estado tem limites? A lei é sempre necessária, representa a vontade ‘geral’, ou há excessos? A ilicitude poderia ser tolerada dentro de certos limites? A soberania do Estado pressupõe opressão ao cidadão? O Estado deve regular a economia, ou ela ao Estado? A política (e a lei) deve ser submetida à economia ou esta àquela? O livro “A última lição de Michel Foucault”, do sociólogo, Geoffroy de Lagasnerie, nos conduz a esse tipo de reflexão.
Essas minhas indagações têm relação com essa obra e com o liberalismo, o neoliberalismo e o comunismo, temas dela, cabendo a cada um pensar e extrair, individualmente, conclusões. Foucault foi um filósofo militante de esquerda, mas há quem sustente que teria se tornado um liberal.
Em “Nascimento da Biopolítica”, Foucault opõe-se ao marxismo. O pensamento liberal ou neoliberal rejeita o marxismo e regimes comunistas, tratando-se de doutrinas conservadoras. Friedrich Hayek, filósofo e economista do século XX, citado nessa obra, conhecido por sua defesa do capitalismo livre e crítica ao socialismo, é um dos expoentes do liberalismo clássico.
Para ele, como aponta Lagasnerie, “a raiz do totalitarismo se encontraria em uma rejeição ao liberalismo” (pg. 23). Foucault, em “Nascimento da Biopolítica”, define o liberalismo como uma espécie de ética de “reivindicação global, multiforme, ambígua, com enraizamentos à direita e à esquerda”.
Lagasnerie, por sua vez, entende que o neoliberalismo pretende transformar a sociedade numa política de concorrência de mercado, com afetação do mundo social e do Estado. Expôs esse autor: “O liberalismo clássico impunha uma fronteira entre o econômico e o político e, em virtude disso, autorizava uma forma de coexistência pacífica entre a racionalidade de mercado e a racionalidade política (cada um em seu lugar). Inversamente, o neoliberalismo pretende subordinar a racionalidade política (e demais domínios da sociedade) à racionalidade econômica. O Estado é colocado sob a vigilância do mercado; ele deve governar não apenas para o mercado, mas também em função do que dita a lógica de mercado” (pg. 48).
Em palavras simples, para o autor, o Estado estaria subordinado ao mercado. Isso implicaria, por óbvio, se verdade, em o mercado dominar a política e por consequência a lei, decidindo como e quem punir etc. Lagasnerie faz crítica, com base no pensamento de Foucault, à teorização dos princípios da Revolução Francesa, em especial a Rousseau em “O Contrato Social”. Aquele aponta:
“… o problema da ordem social e política torna-se aqui saber como ‘agrupar’ indivíduos profundamente divididos, como encontrar uma base de ‘consenso’, a despeito da diversidade dos interesses e crenças …”.
Assim, a “vontade geral” e o “coletivo”, consubstanciados em “O Contrato Social” de Rousseau são questionados e apontados como mitos, intitulados como “monismo” (um princípio único representaria a realidade) do Iluminismo. Lagasnerie comenta nessa obra, que para Foucault, o marxismo é uma doutrina insuficiente – não por uma questão moral -, porque põe em xeque os fundamentos da ordem econômica e social e fornece instrumentos para desestabilizá-la, aboli-la, até mesmo superá-la.
Foucault, nas suas obras, defende que o poder é exercido de maneira difusa, ou seja, por todos, e não como idealizou Marx, num conflito de classes, entre dominantes (empregadores) e dominados (empregados). Ele defendia, ainda, que não existe algo como “a sociedade”, em cujo seio surgiriam de tempos
em tempos lutas e mobilizações.
Lagasnerie aponta que o ceticismo de Foucault não significa desengajamento ou despolitização. Ao contrário, ele (Foucault), para Lagasnerie, visou livrar o pensamento de mitos como, a obsessão pela coerência, o universal, o ‘sentido da história’ etc.
Com isso, Foucault pretendeu criar uma política emancipadora, focada na singularidade, nos problemas e questões locais, com acompanhamento e apoio às lutas múltiplas e aos litígios e combates setoriais, ao invés de ideias ‘gerais’ e de teorias ‘totalizantes”.
Lagasnerie aponta, ainda, que o neoliberalismo não se contenta em limitar o poder do Estado; a ideia dessa corrente de pensamento, segundo ele, é a rejeição da obediência à lei, enquanto vontade geral e legítima.
Finalizando, o autor cita Foucault, o qual conclui que: “O mundo econômico e o mundo jurídico-político afiguram-se ‘heterogêneos e incompatíveis”.