Bueiros servem de berçário para larvas do Aedes aegypti e outras 200 espécies

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O município de Presidente Prudente, no oeste paulista e com uma população de aproximadamente 230 mil habitantes, apresenta recorrentes surtos de dengue, com um padrão que se intensificou desde 2015, tornando a dengue uma preocupação constante.

Foto: © nuzeee/Pixabay

A cidade é um importante polo regional no setor de serviços, agronegócio e educação. Porém, a prosperidade econômica contrasta com os desafios de saúde pública enfrentados pela município, especialmente no que refere à dengue.

O ano de 2016 registrou 12.962 casos confirmados de dengue e 29 óbitos, o que colocou Presidente Prudente entre as cidades com maior letalidade no Brasil. Embora tenha ocorrido uma queda nos anos seguintes, a dengue voltou a crescer em 2019, com 7.614 casos e três óbitos.

Em 2023 o cenário piorou muito, com 36.168 casos e 24 óbitos.

Até outubro deste ano, foram confirmados 930 casos e 1 morte. Os números chamam a atenção para a necessidade de novas abordagens no combate à doença e questionam a eficácia das medidas convencionais até então adotadas.

Na condição de supervisora da Vigilância Epidemiológica Municipal de Presidente Prudente, é motivo de preocupação as intervenções municipais não resultarem na diminuição esperada dos casos de dengue, especialmente em áreas de vulnerabilidade social.

A resistência do Aedes aegypti aos inseticidas, as condições climáticas favoráveis e o acúmulo de lixo em áreas urbanas são fatores conhecidos, mas decidi investigar se existiam outros fatores que não haviam sido considerados até o momento.

Durante um treinamento em Brasília, ouvi o relato muito interessante de um colega de Vitória (ES) e li um estudo feito em Salvador (BA), que chamavam a atenção para a possibilidade de bueiros e bocas de lobo servirem como criadouros de larvas do mosquito.

Como esse aspecto não havia sido considerado em Presidente Prudente, resolvi investigar a presença de larvas nesses locais. As conclusões desse estudo foram publicadas recentemente na revista científica Frontiers of Public Health.

Risco comprovado

Entre 2019 e 2021, percorremos diversas regiões da cidade e mapeamos cerca de 12 mil bocas de lobo. Com o apoio e orientação do professor Edilson Ferreira Flores, da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade de São Paulo, focamos nossa análise em 5.492 bueiros.

O mapeamento desses pontos nos permitiu entender melhor a relação entre essas estruturas e os surtos da doença. Cerca de 91% foram classificados como sujos ou danificados, o que permite a presença de água parada, em ambiente propício como criadouro do mosquito transmissor da doença. Sabidamente, as larvas ou pupas criam-se em águas sujas, com pouco ou nenhum movimento.

Um total de 18% dos bueiros estudados apresentaram água em seu interior, algo que não deveria acontecer, considerando que tal dispositivo é para drenar a água totalmente.

O estudo revelou a presença de uma quantidade significativa de larvas do Aedes aegypti nesses locais, principal vetor da dengue, em 9% das amostras coletadas, além de uma menor quantidade de mosquitos adultos.

Aranhas e escorpiões

Encontramos também 240 espécies diferentes de organismos, incluindo mosquitos do gênero Culex(o pernilongo), Aedes albopictus e aegypti entre outros; cerca de 45 tipos de aranhas e até escorpiões. Essas descobertas reforçam a importância de considerar os bueiros não apenas como reservatórios de água, mas como ambientes propícios para a reprodução de vetores que afetam a saúde pública.

Com o uso de técnicas avançadas de georreferenciamento e análise estatística, correlacionamos a presença de larvas nos bueiros e a ocorrência de casos de dengue, evidenciando que esses locais desempenham um papel crucial no ciclo de proliferação do Aedes aegypti.

Foi o primeiro estudo, na ciência mundial, a constatar essa relação direta. A descoberta pode ajudar a mitigar os altos índices de dengue não apenas na nossa cidade, mas em outras áreas urbanas ao redor do planeta.

A nova vertente de pesquisa aponta para a necessidade de uma abordagem integrada que inclua a limpeza e manutenção desses pontos. No entanto, somente a limpeza dos bueiros não resolverá o problema.

Durante nossa pesquisa, observamos que algumas cidades utilizam um caminhão especializado que facilita a higienização dessas estruturas, reduzindo o tempo de limpeza de um dia para uma hora. Um equipamento desse tipo aumentaria a eficiência das intervenções e otimizaria o uso de recursos.

No entanto, em Presidente Prudente ao menos, a aquisição desse equipamento, orçado em cerca de R$ 2 milhões, depende de futuras parcerias e do apoio de instituições governamentais e privadas.

Mais um aspecto importante evidenciado pela pesquisa é a necessidade de ações educativas contínuas, o que exige um esforço coordenado entre o poder público e a sociedade. Em muitos bairros, por exemplo, os moradores fecham os bueiros devido ao mau cheiro, o que favorece ainda mais a proliferação de mosquitos.

Além disso, a população muitas vezes não adota práticas adequadas de prevenção, como a eliminação de focos de água parada em suas residências. A falta de campanhas educativas eficazes contribui para a persistência do problema.

No futuro, pretendo aprofundar a análise sobre a presença de mosquitos em bueiros em áreas urbanas e expandir o estudo para analisar outras espécies encontradas, como aranhas e escorpiões. A parceria com instituições acadêmicas será fundamental para identificar as implicações desse ecossistema para a saúde pública e propor novas possibilidades para o combate à dengue.

Nosso estudo reforça que a dengue é um problema multifatorial que exige abordagens inovadoras e integradas para seu controle. O foco nos bueiros como criadouros até então ignorados oferece uma nova perspectiva para as políticas públicas de controle de vetores. Recursos e parcerias são necessários para que essas descobertas possam ser aplicadas em ações concretas e assim reduzir a incidência da doença em áreas urbanas no Brasil e outros países.

Elaine Aparecida Maldonado Bertacco, Supervisora do Departamento de Vigilância Epidemiológica (VEM) de Presidente Prudente e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Geografia, na Faculdade de Ciência e Tecnologia (FCT), Universidade Estadual Paulista (Unesp)

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

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